Joelho e Agachamento

Joelho e Agachamento
Existe um mito quando envolvemos o exercício de agachamento e o joelho, sempre quando estes dois fatores estão envolvidos, principalmente nos casos de DOR, a primeira coisa que é retirada do seu treinamento são os treinos de agachamento. Vamos tentar aprofundar um pouco mais este assunto e desmistificar o “mostro do agachamento” para que você possa treinar sem preocupações.

Em primeiro lugar devemos levar em conta que o exercício agachamento está entre os gestos esportivos mais completos que se pode realizar, envolve um grande número de articulações e músculos consistindo em um ótimo meio de fortalecer e desenvolver a musculatura, envolvendo em sua execução músculos da coxa, quadril, lombar, perna e muitos outros que atuam na realização do movimento.

Sua execução é muito funcional, esse tipo de movimento é praticamente utilizado em muitas de nossas atividades diárias como, por exemplo, para sentar e levantar de uma cadeira, subir escadas ou pegar algo no chão, mesmo assim, ainda há quem o proíba ou restrinja seu uso sem qualquer explicação plausível.

Não devemos esquecer que nossas estruturas anatômicas se adaptam de forma específica aos movimentos e hábitos do dia a dia. Dessa forma, utilizando amplitudes reduzidas, pode se favorecer o aparecimento de uma lesão em uma atividade cotidiana pelo simples fato de seu corpo não estar adaptado a um determinado ângulo de movimento. Assim, a limitação da amplitude, além de diminuir a eficiência do exercício, pode prejudicar a funcionalidade em movimentos do dia a dia.

Esta prática de diminuição da amplitude do exercício, realizando agachamentos parciais, em vez do movimento completo é bem comum nos casos de dores, aliás, refere- se ao “agachamento paralelo” que é realizado até que as coxas fiquem paralelas ao solo. O que gera amplitudes maiores que 90 graus de flexão dos joelhos é conhecido como “agachamento profundo”.

Para alguns autores, parar em 90 graus é considerado um dos principais erros na execução do exercício (Fairchild et al., 1993).

O mito de que o agachamento profundo seria lesivo aos joelhos foi baseada em análises da década de 1960, que levaram militares Norte Americanos a suspender alguns exercícios calistênicos (A calistenia é um sistema de exercício físico no qual o interesse está nos movimentos de grupos musculares, mais que na potencia e no esforço). No entanto, essas análises possuem inúmeras limitações. Por exemplo, algumas avaliações foram realizadas com paraquedistas, dentre os quais as lesões de joelhos são comuns devido ao impacto ocorrido nas aterrissagens (lembrem-se que estamos falando de paraquedas da década de 60), lembrando que existe um abismo enorme entre treinamento militar com os exercícios prescritos nas academias.

A construção do mito para condenação do agachamento profundo está relacionada à atividade muscular. Segundo alguns conceitos, este movimento é perigoso porque, durante a flexão do joelho em ângulos maiores que 90° aumenta-se perigosamente a tensão na patela. Esta teoria porém, analisa o agachamento pensando somente no quadríceps (musculo anterior da coxa) e se esquecem, que na fase profunda do movimento, os músculos posteriores são fortemente ativados ajudando a neutralizar a temida tensão exercida na patela. Essa ativação muscular posterior gera uma força vetorial direcionada para trás, que contribui para estabilizar os joelhos durante o movimento (Isear et al., 1997) e faz com que a tensão na patela seja reduzida em cerca de 50% (Shelburne & Pandy, 1998; Li et al., 1999). Deve-se reforçar que a participação dos músculos posteriores é maior quanto maior for a amplitude do movimento (Caterisano et al., 2002), e também sofre influência da carga utilizada (Shields et al., 2005), portanto, com cargas altas e amplitudes maiores, a ativação dos posteriores de coxa aumentam.

Um erro levou os autores a subestimar a força aplicada pelo músculo e superestimar a tensão aplicada às estruturas articulares, esta falha dos estudos antigos é a análise da capacidade contrátil das fibras sem levar em conta a relação com o comprimento (alongamento) e a secção transversa (volume) do músculo, um aspecto que só começou a ser corrido a partir da publicação do estudo de Zheng, em 1998 (Zheng et al., 1998). Este equívoco nas análises nos obriga a ter cuidado com relação às teorias criadas para condenar o agachamento.

Por exemplo, no estudo de Li et al., foi verificado que, para uma carga constante, as maiores forças de translação anterior, lateral e rotação interna da tíbia ocorrem nos ângulos de 30 a 60 graus, sendo menores quanto maior a amplitude do movimento (Li et al., 1999). No estudo de Escamilla et al. (2001) foi verificado claramente um aumento das forças compressivas tibiofemorais e patelofemorais até se chegar a um ângulo de aproximadamente 80-90 graus, sendo que essas forças caem a medida que a amplitude aumenta. Anteriormente, Zheng et al. (1998) e Wilk et al. (Wilk et al., 1996) também haviam verificado que as maiores forças compressivas tibiofemorais no agachamento ocorrem justamente próximas ao ângulo de 90 graus. Adicionalmente, ao comparar o agachamento, leg press e a mesa extensora, Wilk et al. (1996) não encontraram diferenças nas forças compressivas entre os exercícios, além de verificarem que o agachamento e leg press não produzem forças anteriores, ao contrário da cadeira extensora. Estas análises das forças compressivas e de cisalhamento no agachamento nos mostram claramente que os piores ângulos são os que normalmente se recomendam como mais seguros.

Estes estudos foram realizados com uma carga constante, ou seja, as mesmas cargas foram utilizadas para todos os ângulos. No entanto, quando se realiza um agachamento até 90 graus, por exemplo, a carga é consideravelmente maior em comparação com o agachamento completo. Se pensarmos que as forças compressivas são proporcionais à carga utilizada, veremos que, na prática, utilizar os movimentos parciais é ainda pior que usar amplitudes completas. Revelam também um grave equívoco em que caímos ao definir os ângulos e até mesmo a forma mais segura de realizar os exercícios.

Quando se pensa em preservar ou recuperar a articulação do joelho, é comum recomendar os ângulos agudos, como os de 90 graus, nos exercícios de cadeia cinética fechada (agachamento, leg press...). Outra prática popular e equivocada é recomendar a mesa extensora no ponto de extensão máxima, muitas vezes até com exercícios isométricos. Dois erros! Em primeiro lugar o ponto de extensão máxima nesse exercício é o que produz maior tensão anterior (Wilk et al., 1996). Em segundo, a isometria aumenta a rigidez, além de não aumentar o fluxo sangüíneo para os tendões (Kubo et al., 2009).

Estes estudos nos ensinam que a amplitude do agachamento é muito importante para eficiência e segurança, pois conforme se aumenta a flexão do joelho (“profundidade”), aumentam as ações musculares e diminui a tensão nas estruturas articulares, as forças tensionais e compressivas deste exercício estão totalmente dentro de nossas capacidades fisiológicas e articulares. Nossas estruturas anatômicas estarão preparadas para realizar movimentos completos durante toda a vida, desde que sejam respeitadas a técnica de execução do gesto esportivo e controle de volume conforme os fundamentos científicos do treinamento de força.

É inevitável que se utilize uma menor quantidade de peso (carga absoluta) o que, somado à menor tensão nas estruturas do joelho para realização do movimento completo, tornando esse exercício seguro para a imensa maioria dos praticantes de musculação.

Para lesionados e/ou em reabilitação, o ideal é fazer um tratamento no qual profissionais especializados de ortopedia, fisioterapia e educação física trabalhem em conjunto.

A força muscular é importante para o controle do movimento, portanto, não se deve deixar que, durante a fase excêntrica (descida), o membro perca o controle (“despencar”), pois, desta forma, as tensões que deveriam estar sobre a musculatura, irão se incidir nas articulações (Escamilla, 2001).

As lesões geralmente são causadas pela combinação de quatro variáveis: volumes altos, excesso de peso, overtraining e técnica inapropriada. Com treinos progressivos e inteligentes, o agachamento profundo certamente é seguro e eficiente. O aumento no torque, tensão e força não significa que este exercício necessariamente seja perigoso ao joelho, mas sim, que esses parâmetros aumentaram, e só. As análises feitas com agachamentos profundos, pelo que consta, não demonstram nenhum prejuízo para o joelho.

Agache sem medo, priorize sempre a técnica antes de qualquer coisa, siga as orientações de seu Treinador, Fisioterapeuta ou Ortopedista e ninguém mais.

Mais ciência e menos “achismo”. Faça correto, faça bem, faça para sempre.

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